quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Esta é Copacabana, ampla laguna


Esta é Copacabana - ampla laguna
Curva e horizonte,arco de amor vibrando
Suas flechas de luz contra o infinito.
Aqui meus olhos desnudaram as estrelas
Aqui meus braços discursaram à lua
Desabrochavam feras dos meus passos
Nas florestas de
dor que percorriam.
Copacabana, praia de memórias!
Quantos êxtases,quantas madrugadas
No teu colo marítimo! Esta é a areia
Que tanto elameei com minhas lágrimas.
Aquele é o bar maldito. Não estás vendo
Aquêle escuro ali? É um obelisco
De treva: cone erguido pela noite
Para marcar por tôda a eternidade
O lugar onde o poeta foi perjuro.
Ali tombei, ali beijei-te ansiado
Como se ávida fosse terminar
Naquele louco embate. Ali cantei
À lua branca, cheio de bebida
Ali menti, ali me ciliciei
Para gozo da aurora pervertida.
Sôbre o banco de pedra que ali tens
Nasceu uma canção. Ali fui mártir
Fui réprobo, fui bárbaro, fui santo
Aqui encontraras minhas pegadas
E pedaço de mim por cada canto.
Numa gota de sangue numa pedra
Ali estou eu. Num grito de socorro
Entreouvido na noite, ali estou eu
No eco longínquo e áspero do morro
Ali estou eu. Tu vês essa estrutura
De apartamentos como uma colméia
Gigantesca? Em muitos penetrei
Tendo a guiar-me apenas o perfume
De um corpo de mulher a palpitar
Como uma flor carnívora na treva.
Copacabana! Ah, cidade forte
Desta minha paixão! A velha lua
Ficava do seu nicho me assistindo
Beber e eu muita vez a vi luzindo
No meu copo de uísque, branca e pura
A destilar tristeza e poesia...
Copacabana, réstia de edifícios
Cujos nomes dão nome ao sentimento...
Foi no Leme que vi nascer o vento
Certa manhã, na praia. Uma mulher
Toda de negro, no horizonte extremo
Entre muitos fantasmas me esperava:
A moça dos antúrios, deslembrada
A senhora dos círios, cuja alcova
O piscar do farol iluminava
Como a marcar o pulso da paixão
Morrendo intermitentemente . E ainda
Um brilhar do punhal, um riso acústico
Que não morreu. Ou certa porta aberta
Para a infidelidade: inesquecível
Frincha de luz a separar-me apenas
Do irremediável. Ou o abismo embaixo
Aberto, elástico, e o meu ser disperso
No espaço em torno , e o vento me chamando
Me convidando a voar ..... ( Ah, muitas mortes
Morri entre essas máquinas erguidas
Contra o tempo!) Ou também o desespêro
De andar, como um metrônomo, para lá
E para cá, marcando o passo do impossível
À espera do segrêdo, do milagre
Da poesia...
Tu, Copacabana
Mais que nenhuma outra fostes a arena
Onde o poeta lutou contra o invisível
E onde encontrou enfim sua poesia
Talvez pequena, mais suficiente
Para justificar uma existência
Que sem ela seria incompreensível."
Vinícius de Moraes - 1958

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